Eu já estava acostumada a escutar a voz dele. Era um convívio diário há quase três anos. O tipo de coisa que te faz sentir próximo. Até que um dia ele apareceu no meu trabalho. Nem precisei ser apresentada. Pelo "bom dia" eu reconheci. Não esqueço o olhar tímido e doce. Também meio tímida, expliquei a ele como funcionava o telescript. Mostrei a agenda e indiquei o contato de São Paulo com quem sempre poderia falar para pedir as gerações. E a indefectível frase: " se precisar de ajuda é só chamar".
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Durante todo esse ano me acostumei a vê-lo pelo menos umas duas vezes por semana. Sempre na ilha de edição, concentrado, calmo. Através do vidro identificava o mesmo olhar doce e tímido do primeiro dia. Invariavelmente pensava que "um dia", assim que tivesse um "tempinho" iria interromper o trabalho dele para um dedinho de prosa. Conversar sobre futebol, tentar relembrar uma época em que o trabalho me dava tanto prazer. Queria contar-lhes estórias vividas com aqueles colegas de trabalho dele que um dia também foram meus. Queria que soubesse que o ouvia a bastante tempo, que eu também ria com o "amigo Mário"...
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Só que eu por uma série de coisas que nem sei explicar, nunca fiz isso. Nunca bati naquela porta, nunca ultrapassei aquelas paredes de vidro por onde tantas vezes trocamos olhares, nunca tive essa conversa... E agora ficou o vazio. A cadeira vazia, a ilha sem ninguém, o silêncio da palavra não dita e a ausência definitiva daquele moço de olhar tímido e doce...
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Vai ser estranho não escutar mais sua voz. Sentirei saudades dos encontros por mim planejados das quintas-feiras e que agora jamais acontecerão.
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A gente não é dono da vida, mas insistimos na idéia boba de que temos todo o tempo do mundo à nossa disposição. Nesses dias ouvi tanta coisa bacana à respeito desse moço e minha torcida é para que os outros tenham tido tempo de terem dito tudo pessoalmente a ele, que não tenham negligenciado como eu fiz. Prefiro acreditar que ele partiu sabendo de tudo que os amigos achavam e sentiam por ele.
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Prefiro apenas acreditar que ele está lendo nesse momento essas minhas palavras e que, talvez, agora possa entender que aquele meu olhar tímido era também um olhar de admiração. E assim eu possa me desfazer dessa angústia que me invade.
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Abaixo um poema que era dele.
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Eu acredito num amor intenso
Tal a chuva que derrama a água prevista para o ano todo
Mas não para de cair depois
Um amor intenso
Sem regras...
Sem explicações
Um amor intenso
Que surge como se sempre tivesse existido
E vai além de uma paixão irrefreável
Vai além do sim, do não e do talvez
Um transbordamento de vida na alma
Acredito num amor intenso
Acredito em algo que estremece no primeiro olhar
E depois faz todo olhar ser como o primeiro
Algo que se espalha pelas madrugadas
Como se o Sol estivesse sempre nascendo ou se pondo
Acredito num amor intenso
Súbito...
Ainda que esperado...
Eterno...
Ainda que se cale...
Divino...
Mesmo que humano...
Eu só acredito no amor intenso!
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Andreson Falcão